José Águas com o troféu da conquista da Taça dos Clubes Campeões Europeus de 1961 créditos: DR Mas se hoje em dia a caminhada gloriosa do Benfica na Taça dos Campeões Europeus de 1961 e 1962 já não é novidade, na altura, era um feito inédito, e até surpreendente, para quem acompanhava de perto a realidade futebolística em Portugal.
"Até àquela altura, o Benfica nunca tinha ganho uma eliminatória nas competições europeias. Portugal era um país pequeno em tudo; estávamos atrasados em tudo e no futebol também. Havia cá as nossas rivalidades, as nossas grandes equipas, mas era cá para o consumo interno. Mas nunca passou pela cabeça que o Benfica fizesse uma carreira daquelas. E à medida que ia passando as eliminatórias ficava tudo cada vez mais estupefacto", recorda Vítor Cândido.
A primeira Taça dos Clubes Campeões da Europa, sem Eusébio! Com mais de 20 golos marcados na prova, o Benfica chegou à sua primeira final europeia frente ao Barcelona de jogadores como László Kubala, Luis Suárez, Sándor Kocsis ou Zoltán Czibor. Em Berna, os 'encarnados' eram encarados pelos catalães como um adversário acessível e Béla Guttmann, mítico treinador das 'águias' nesse período, aproveitou essa subestimação do adversário para fazer história no Benfica e conquistar o primeiro troféu europeu com golos de José Águas, Mário Coluna e um auto-golo do guardião adversário. E isto tudo sem Eusébio, que ainda não estava na equipa principal do Benfica.
"O Benfica tinha uma 'equipona'", recorda Vítor Cândido antes de enumerar alguns dos jogadores que fizeram história e que preparam o 'terreno' para o surgimento de jogadores como Eusébio e Simões.
"Germano, Ângelo, Cruz, Cavém, o Neto, do Montijo, e depois à frente Coluna, José Águas, Santana. O Santana teve de sair quando chegou o Eusébio", conta-nos Vítor Cândido.
"O Santana era um jogador fantástico e teve de sair um. Como dizia o Béla Guttman quando viu o Eusébio a fazer os exercícios e os primeiro treinos: 'Isto é ouro, isto é ouro!'. E pronto, alguém tem de sair da equipa e foi o Santana; e no ano seguinte foi o que se sabe. Ganham 5-3 ao Real Madrid na final de Amesterdão com uma grande equipa, já com o Simões, que era junior", atira o antigo jornalista em declarações ao SAPO Desporto.
A segunda Taça dos Clubes Campeões em Amesterdão e as finais perdidas seguintes Depois de vencer o Barcelona por 3-2 em Berna, o Benfica ganhou o estatuto de campeão europeu e no ano seguinte a história parecia repetir-se à boleia de dois 'fenómenos' do futebol português: Eusébio e Simões. Na final de 1962, em Amesterdão, os 'encarnados' golearam o Real Madrid de Puskas e Di Stéfano por 5-3 e revalidaram o título europeu de clubes contra todas as expectativas, novamente. Ao derrotar o 'poderoso' Real Madrid, o Benfica garantiu desta forma um lugar no panteão dos grandes clubes europeus, e seguiram-se várias finais nas épocas seguintes. A reputação do Benfica de Eusébio na Europa ia crescendo de ano para ano, e apesar das derrotas nas finais de 1963, 1965 e 1968 toda a Europa do futebol estava encantada com a qualidade da equipa portuguesa, nomeadamente Eusébio. E mesmo com a guerra colonial a decorrer em vários pontos de África, as finais europeias do Benfica eram acompanhadas de perto pelos soldados, como nos conta Vítor Cândido, antigo combatente do ultramar.
Bobby Charlton e Mário Coluna trocam galhardetes antes da final da Taça dos Clubes Campeões Europeus de 1968. créditos: Manchester United "Lembro-me dessa final de 1968 em Wembley com o Manchester United porque acompanhei o relato no norte de Moçambique durante a guerra colonial. Acompanhei o relato, já era assim tarde e tinha que ter o rádio muito baixinho para não fazermos barulho. Nós a apanharmos a onda curta, ou como é que se chamava aquilo, e a ouvir o relato do jogo em que o Eusébio não conseguiu marcar um golo aos 90 minutos e depois no prolongamento os jogadores do Benfica foram-se a baixo. E depois foi o descalabro no prolongamento, penso que os jogadores do Benfica não estiveram à altura dos ingleses físicamente", recorda Vítor Cândido.
O 'fenómeno' chamado Cruijff e a 'passagem de testemunho' entre dois 'deuses do futebol' Na época de 1968/1969, o Ajax chegava à Taça dos Clubes Campeões Europeus com um currículo europeu ainda modesto. A primeira participação na prova da equipa de Amesterdão aconteceu em 1957 com uma derrota frente aos húngaros do Vasas SC que acabou por eliminar o Ajax nos quartos de final.
Três épocas depois, o Ajax regressa à principal prova europeia de clubes, mas acaba por ser eliminado ainda na primeira eliminatória frente aos noruegueses do Fredrikstad por 4-3. Na temporada de 1966/1967, o Ajax chega aos quartos de final mas acaba por ser eliminado pelos checos do FK Dukla Dejvice. Apesar das derrotas, no conjunto holandês há um jovem de 19 anos de nome Johan Cruyff que começa a dar que falar. Na época seguinte, o Ajax é eliminado na primeira ronda com o Real Madrid depois de um empate a 1-1 em Amesterdão, com um golo do jovem prodígio holandês, e de uma derrota por 2-1 em Madrid após prolongamento.
O momento em que José Augusto se prepara para marcar um golo em Amesterdão na vitória por 3-1 do Benfica. créditos: AFP/AP/D.R. Em 1968/1969, o Benfica entra na Taça dos Clubes Campeões Europeus com o estatuto de vice-campeão e defronta pela primeira vez o Ajax nos quartos de final da prova. Depois de uma vitória por 3-1 em Amesterdão num relvado coberto de neve, o Benfica regressa a Lisboa com uma vantagem confortável. Em entrevista ao SAPO Desporto, José Augusto e António Simões recordaram essa eliminatória e o 'fenómeno' chamado Cruyff.
"É o aparecimento do Johan Cruijff, em que a partir daí o Ajax domina a Europa e se torna campeão Europeu três vezes consecutivas. É a primeira vez na história que o valor do futebol holandês aparece em pleno com uma geração fantástica de jogadores com Keizer, Cruijff, Haan, Swart ou Neeskens", afirma António Simões ao SAPO Desporto.
"O Ajax tinha uma equipa formidável nessa altura com o Cruyff, depois de ganharmos em Amesterdão perdemos 3-1 aqui em Lisboa. Não estávamos tão habituados a jogar na neve. Eles sim, estavam mais habilitados a jogar naquele campo cheio de neve, mas nós jogámos bastante bem, apesar de termos o gelo a um palmo de altura, mas nós estivemos bem, lá para o fim já se jogava à bola, picávamos a bola ligeiramente para cima, batíamos a bola para onde queríamos que ela fosse", recorda José Augusto.
Eusébio em ação no relvado coberto de neve do Estádio Olímpico de Amesterdão. créditos: AFP/AP/D.R. "Naquela altura, na Europa, sobretudo no norte, jogos com neve eram perfeitamente naturais, agora, eles estavam muito mais habituados a jogar, mas não tinham o talento que nós tínhamos. Embora tivessem jogadores talentosos, era uma equipa excelente e isso comprovou-se depois em Lisboa, num estádio que tinha uma relva que era um espectáculo, e aí o Cruyff mostrou-se mais e foram melhores", acrescenta o antigo extremo direito do Benfica ao SAPO Desporto.
Com a derrota no Estádio da Luz por 3-1, o Benfica era obrigado a jogar um terceiro jogo em Paris para seguir em frente na prova. O Ajax acabou por vencer por 3-0 em França e apurar-se para as meias-finais onde derrotou Spartak Trnava. Na final de 1968/1969, Cruyff e companhia acabariam por ser goleados pelo AC Milan por 4-1, mas a glória do Ajax estava perto.
Johan Cruijff discute com José Henrique no Estádio da Luz no jogo da segunda mão dos quartos de final da Taça dos Campeões Europeus. créditos: AFP/AP/D.R. "O Ajax foi sempre uma equipa muito difícil, especialmente naquela década de 70, em que foram campeões europeus três vezes consecutivas e isso justifica o que fizeram na Luz [em 1969]. Impressionaram a Europa porque tinham jogadores extraordinários, especialmente o Cruyff, que era um jogador das características de um Eusébio, do Puskas ou do Di Stefano de uns anos antes. Era um jogador dessa craveira", atira José Augusto.
"O Cruijff foi um fenómeno. Com 17 anos já era titular do Ajax. Era o Cruijff que era a maravilha, foi ele que acabou por substituir o Eusébio e o Pelé nessa designação de 'melhor do mundo'. O Pelé e o Eusébio estavam a terminar a sua carreira e começou a era Cruijff que veio antes da era Maradona", frisa Vítor Cândido.
Johan Cruijff em ação no jogo em Paris no jogo entre Ajax e Benfica em 1969. créditos: AFP/AP/D.R. "Isto tem tudo a ver com os deuses do futebol. E quando digo deuses do futebol estou a referir-me a Pelé, Eusébio, Cruijff, Maradona, e tal. A ascensão dos deuses do futebol numa equipa ocasionam que a sua equipa ande cá em cima, suplantando tudo. O Eusébio, o deus Eusébio, que já está numa fase de menos fulgor, já tinha sido operado ao joelho uma seis ou sete vezes e passava muito tempo fora dos jogos a recuperar das operações", acrescenta Vítor Cândido, considerando que a ascensão de Cruijff marcou o início de outra era no futebol europeu.
"Em sentido contrário, no Ajax está a aparecer o deus deles no início da década de setenta: o Cruijff. A desembrulhar as situações todas e com uma grande equipa a seu lado. Como o Eusébio também tinha porque o Benfica tinha uma 'equipona' tanto nos anos 60 como nos anos 70", sentenciou Vítor Cândido.
José Torres celebra um golo do Benfica frente ao Ajax no jogo da segunda mão dos quartos de final da Taça dos Campeões Europeus de 1969. créditos: AFP/AP/D.R. Já António Simões considera que "o aparecimento do Ajax faz com que o Benfica não volte a ser campeão Europeu" no final da década de sessenta e início da década de setenta.
"É com o aparecimento do Ajax que o Benfica número um da Europa passa para número dois. É o aparecimento do Cruijff, é o Eusébio a passar o testemunho ao Cruijff, é o Simões a passar o testemunho ao Keizer, é o Jaime Graça a passar ao Haan, o Torres a passar ao Rep. É inacreditável que haja características tão semelhantes dos jogadores do Benfica que estão nos seus últimos 4/5 anos e os jogadores do Ajax que estão nos seus primeiros 4/5 anos. Nós teríamos preferido passado o nosso testemunho a portugueses, não aos holandeses", afirmou o antigo jogador do Benfica ao SAPO Desporto.
O 'futebol total' do Ajax que dominou a Europa na década de 70 Mas o sucesso do Ajax no futebol europeu não se resumiu apenas ao talento de Cruijff. O conjunto de Amesterdão apresentou uma nova filosofia nos relvados e que ainda hoje é encontra 'discípulos' em toda Europa: o futebol total.
"O Ajax foi a primeira equipa a jogar um 'futebol total', uma coisa impressionante. Chamavam à seleção da Holanda de 'Laranja Mecânica' porque aquilo era praticamente a equipa do Ajax. Mas também havia o Feyenoord que era uma equipa fantástica", diz Vítor Cândido.
Mundial_1974_Holand#143DC57 ⢠West German goalkeeper Sepp Maier catches the ball in front of Dutch forward Johan Cruyff as defender Franz Beckenbauer (L) looks on, 07 July 1974 in Munich, during the World Cup soccer final. Host West Germany beat The Netherlands 2-1 to earn its second World Cup title, twenty years after its first win over Hungary (3-2), 04 July 1954 in Bern. AFP PHOTO ⢠STAFF "Era futebol total porque todos os jogadores defendiam e todos jogadores atacavam. E para nós que estávamos habituados a ver os defesas em funções defensivas exclusivas isso era uma novidade. Antigamente os jogadores não tinham autorização para passar do meio-campo, agora os laterais vão até ao outro lado para cruzar. Às vezes falo disso com o meu amigo Hilário [ex-internacional português, glória do Sporting e lateral esquerdo] e ele diz-me que 'o nosso treinador não nos deixava passar do meio-campo'", recorda Vítor Cândido.
"A equipa do Ajax era realmente muito à frente com o seu futebol total. Ainda hoje há equipas que jogam assim, como o Bayern. A equipa que vimos aqui do Bayern em Lisboa [no jogo inaugural do Grupo E da Liga dos Campeões] foi precisamente isso: do futebol total. Com três jogadores a pontificar no ataque que são preponderantes, que possam jogar sistematicamente a defender e a atacar", frisa José Augusto.
"O Robben pelo lado direito, o Lewandowski, e o Ribéry no lado esquerdo. São jogadores que integram e que fazem mover todo aquele jogo no meio campo. Os defesas laterais a subir e a recuperarem as bolas, sobretudo. As táticas são o que são, mas quem as aplica em campo são os jogadores. Os jogadores é que transportam sectorialmente as ideias para o campo e fazem com que o sistema tático possa evoluir de uma forma. E em qualquer época a velocidade é uma componente importantíssima no futebol. E quando temos jogadores talentosos como é o caso [do Cruijff], isso vem sempre ao de cima", sentencia José Augusto.
O 'reencontro' entre dois 'gigantes' na Europa do futebol Benfica e Ajax reencontram-se nas próximas jornadas da Liga dos Campeões em dois jogos que vão ser decisivos para o apuramento dos oitavos de final da prova. Os holandeses lideram neste momento o Grupo E depois de um empate a 1-1 em Munique frente ao 'poderoso' Bayern Munique e no plantel do Ajax continua a reinar a filosofia de um clube formador que já deu alguns dos maiores talentos do futebol holandês. O Benfica seguiu o exemplo de outros clubes formadores na Europa e procura, tal como o Ajax, recuperar o prestígio europeu que lhe valeu a hegemonia no 'velho continente'.
João Félix reage depois de ter falhado um penalti @Adam Hunger/Getty Images/AFP créditos: AFP "Há uma escola holandesa que assenta sobretudo no Ajax e parece-me que desta vez está a reaparecer essa escola numa quantidade e numa persistência daquilo que é o seu próprio modelo. Ou seja, os holandeses nunca abandonaram esse modelo mas nunca tiveram uma fornalha com tanto potencial como esta [atual]. E agora nós [no Benfica] temos de nos confrontar com essa escola, com essa tradição, com esse modelo, mas com o reaparecimento da qualidade. O Benfica vai ter de se confrontar com tudo isso", afirmou António Simões sobre os próximos jogos com o Ajax.
"Penso que é importantíssimo para a qualidade do futebol que estes clubes com tradição de formação continuem. O Benfica tem várias escolas em vários sítios onde tem as casas do clube, 284 casas do Benfica para ser mais preciso, e neste momento há muitas que têm escolas de jogadores e que o Benfica vai acompanhando porque as casas vão mantendo o clube informado do surgimento de novos talentos", começou por dizer José Augusto antes de fazer a antevisão dos próximos jogos do Benfica com o Ajax.
"Penso que vão ser jogos equilibrados, apesar de tudo o Ajax também tem uma escola e bons jogadores e é um clube de produção, como o Benfica agora o é. Estou convencido que estes dois jogos com o Ajax vão ser realmente importante para as nossas possibilidades de continuar na Liga dos Campeões porque o Ajax será o nosso adversário direto na disputa pelo segundo lugar. Mas não será fácil, nem para nós nem para o próprio Ajax uma vez que são duas equipa de nível idêntico e com muitos jogadores talentosos", sentenciou José Augusto.
Fonte: Sapo Desporto