Um Cântico negro
Há quem tenha a dignidade de saber perder e quem, por mais que se esforce, nunca terá essa virtude, que só engrandece quem a exibe. O Benfica perdeu em Liverpool, mas perdeu com dignidade, e por isso não lhe faltou o carinho e o apoio de quem continua a acreditar que o triunfo que verdadeiramente conta e que vale uma época continua a estar ao alcance, com brilho e pleno mérito.
Mas eis senão quando se faz ouvir a voz do presidente do fcp, defendendo a ideia tão peregrina quanto provocatória de que nem o Benfica, nem o Braga e nem mesmo o fcp merecem este ano o título, mas sim um clube:
O Dr. Alberto João Jardim, porque soube construir túneis e outras estruturas básicas.
Nem os surrealistas, nos seus momentos de maior brilho criativo, teriam conseguido ir tão longe.
Até os clubes madeirenses devem ter estremecido de espanto com tamanho desarrincanço.
O presidente do fcp que, como se sabe, tem abundantes afinidades de discurso e estilo com o dr Jardim, passou a defender a tese de que o que conta não é o mérito desportivo e o valor competitivo, mas sim a capacidade construtiva.
A ter aceitação esta ideia, os campeonatos passariam a ser ganhos pela Cruz Vermelha, pelos Médicos Sem Fronteiras e por outras associações e organizações que existem para dar resposta rápida e eficaz em situações de catástrofe. Quando se trata de negar o mérito a quem o tem de sobra, tudo parece valer, incluindo o dislate, o absurdo, a pirueta puramente irracional.
Mas vendo bem, é natural que quem vive obcecado com túneis não poupe louvores e vénias a quem gosta de os construir.
Ao presidente do fcp, que faz sempre constar que gosta de recitar poesia em público, só resta aconselhar que ensaie bem o "Cântico Negro", de josé Régio, peça incontornável do seu repertório, pois, quando for hora de se saber quem vence, só poderemos ouvi-lo dizer: "Sei que não vou por aí."
José Jorge Letria