Após seis épocas de consulado de Jorge Jesus como treinador do Benfica, o presidente Luís Filipe Vieira escolheu Rui Vitória para orientar a equipa que tinha acabado de se sagrar bicampeã nacional. Vindo de quatro temporadas ao serviço do Vitória de Guimarães, o técnico de 46 anos regressava à Luz dez anos depois para uma tarefa que se adivinhava bastante complicada."Se fosse fácil não era para mim", foi uma das primeiras frases marcantes de Rui Vitória, que tinha como primeiro grande desafio conquistar os jogadores, habituados a uma personalidade forte e marcante como Jesus.
Inicialmente as coisas não podiam ter corrido pior. Uma pré-temporada pelos Estados Unidos e México sem qualquer vitória e um arranque oficial com a derrota na Supertaça diante do Sporting, orientado pelo seu antecessor na Luz, deixavam antever o regresso do Benfica a um período de obscurantismo. As polémicas geradas pela saída de Jesus para Alvalade, com processos em tribunal, não lhe facilitaram a vida, tendo também ele sido alvo do técnico leonino, a quem apenas respondeu uma vez de forma veemente, que também coincidiu com um momento de viragem na Luz. As primeiras oito jornadas do campeonato foram marcadas pelas derrotas com Arouca, FC Porto e o Sporting. Pelo meio uma vitória em Madrid com o Atlético para a Liga dos Campeões, que deu margem ao treinador para continuar o seu trabalho.
No entanto, a eliminação da Taça de Portugal em Alvalade devido à terceira derrota com o Sporting em apenas três meses, deixou Rui Vitória na corda bamba. Os rumores que a sua continuidade estava por um fio e o descontentamento dos adeptos adensaram as nuvens negras na Luz. Só que é então que se dá o momento de viragem. Com sete pontos de atraso para o líder Sporting, o campeonato parecia perdido, mas a a vitória em Braga à 11.ª jornada, que marcou a entrada do jovem Renato Sanches no onze e a passagem de Pizzi para a ala direita redimensionaram a equipa, que entrou numa série de vitórias consecutivas, apenas interrompidas por um empate fora com o U. Madeira e a derrota caseira com o FC Porto. Em março acabou por surgir o prémio para uma equipa que marcava muitos golos e se revelava muito consistente. Em Alvalade, o Benfica enfrentava o Sporting de Jesus. E à quarta foi de vez: um golo de Mitroglou permitiu aos encarnados consumarem uma recuperação fantástica, chegando à liderança com nove jornadas por disputar.
A conquista do tricampeonato voltava a ser possível. Pela primeira vez o Benfica dependia apenas de si, mas o caminho não foi fácil, pois Rui Vitória teve de lidar com lesões de vários jogadores importantes como Júlio César, Luisão, Fejsa e Gaitán, mas foi a oportunidade para aparecerem, por exemplo, Ederson e Lindelöf, entre outros. Na fase decisiva da época, ainda teve de competir na Champions: ultrapassou o Zenit e lutou taco-a-taco com o Bayern Munique nos quartos-de-final, mas manteve-se firme no campeonato, vencendo todos os jogos, aguentando a pressão leonina, até chegar à tão desejada festa do tricampeonato, algo que não era alcançado na Luz há 31 anos. Uma conquista que tem quase tudo de Rui Vitória, treinador que soube ultrapassar uma montanha de dificuldades até chegar à glória.
Os 32 golos que Jonas marcou ao longo da Liga, são a marca de um jogador que acabou por ser a alma de todo o futebol ofensivo do Benfica. E não foram apenas os golos que apontou - que lhe valeram estar na lutar pela Bota de Ouro, troféu para o melhor marcador dos campeonatos europeus -, foram também as doze assistências para remates certeiros dos companheiros e ainda a forma como baralhou as defesas adversárias. Espalhou talento pelos relvados portugueses e mostrou que aos 32 anos está no auge da sua carreira. Esta terá sido a sua melhor época de sempre, o que lhe valeu até o regresso à seleção brasileira, para a qual há muito havia sido riscado.
Formou com Mitroglou uma dupla terrível, que representou 52 golos no campeonato. As características que diferenciam Jonas do internacional grego acabaram por ser a chave para um ataque tão avassalador que atingiu os 88 remates certeiros na Liga. Contudo, Jonas acabou por ser um elo de ligação com outros elementos da equipa, sobretudo com Gaitán e Pizzi, jogadores criativos nas alas com quem demonstrou um entendimento quase de olhos fechados...
A Jonas faltaram dois golos para superar os 33 do sueco Magnusson (1989/90) e tornar-se o melhor marcador estrangeiro de sempre do Benfica num só campeonato. Mas o avançado brasileiro, a cumprir a segunda época na Luz, pode gabar-se de ser o melhor artilheiro do clube da Luz em campeonatos no século XXI.
Há um Benfica antes e e outro bem diferente depois de Renato Sanches entrar no onze. A equipa de Rui Vitória era previsível, com pouca dinâmica na organização ofensiva e estava órfã de alguém que ligasse os setores. A entrada do miúdo de 18 anos revolucionou o Benfica e catapultou-o para uma consistência que poucos imaginariam possível. A viragem dá-se em Braga, à 11.ª jornada, num jogo em que uma derrota colocaria a equipa a dez pontos da liderança e o treinador com o lugar em perigo.
Mas Renato Sanches, o jogador "selvagem", como lhe chamou Rui Vitória, acabou por ser a peça que faltava para equilibrar o Benfica e dar-lhe a dinâmica necessária para que arrancasse para uma recuperação sensacional. A forma como impôs o seu físico a meio-campo, como carregou a equipa às costas com as suas mudanças de velocidade com a bola sempre controlada deram uma nova alma ao Benfica.
Renato Sanches personifica ainda o sucesso da mudança de paradigma defendido por Luís Filipe Vieira, que procurou esta época uma maior aposta nos jogadores formados internamente. Alguns foram lançados, mas o médio, que até começou a temporada na equipa B, foi o expoente máximo dessa aposta. A melhor prova disso é que já assinou pelo poderoso Bayern Munique. Além da capacidade futebolística, Renato destacou-se pela força e consistência mental, decisivas para que ultrapassasse todas as polémicas que surgiram à sua volta.
Fonte: dn.pt